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domingo, 4 de julho de 2010

Ensino literário: Como fazer os alunos gostarem de ler?


Se existe um tema batido e rebatido no espaço escolar é o da necessidade de formar alunos-leitores. A leitura – dizem – é fator fundamental na formação dos indivíduos. Dizem, mas não provam. Associam na sempre a propostas e justificativas como “formar hábito”, “quem não lê, não escreve”, etc., e basta. O interessante neste caso é o que não foi dito…
Os professores leem? Os pais leem? O que leem estes grupos? A escola é incentivadora da leitura ou apenas reitera o consagrado discurso de que esta é um bem inalienável e, se não conseguirmos fazê-la penetrar no mundo da sala de aula, não haverá salvação para a escola.
O primeiro balanço deste barco: na escola, trabalha-se com uma espécie de conteúdo padrão, um corpus mais ou menos fixo que dificilmente acomoda o alto grau de mobilidade necessário ao trato com o material literário. A singularidade do fato estético é incompatível com a padronização, a sequência, a seleção e a organização de conteúdos requeridas pelo formato das disciplinas escolares. Como então fazer com que os sujeitos-leitores apreendam o fenômeno artístico nas realizações deste? Como entender a finalização artística na recepção desses leitores em situação escolar, se, em cada leitor e época, a leitura renasce de forma diversa?
Umberto Eco, em Seis Passeios pelo Bosque da Ficção (1994), lembra de dois conceitos já tratados por ele em outras obras, que são os de “leitor modelo” e “autor modelo”. O leitor modelo que a escola pretende formar deve ler de uma certa maneira – a maneira certa. Daí o leitor contumaz ser designado como detentor do tal “hábito de leitura” – e hábito, lembranos qualquer dicionário de bolso, referese à reiteração padronizada e frequente daquela prática.
No caso do ensino literário, não se pode fugir do fato de que a escola solicita a criação de um leitor padrão. Por mais que o professor imagine trabalhar especificida des, observações originais e únicas, o formato das disciplinas escolares exige uma padronização mínima de leitura.
A escola solicita precisamente que os fatores de singularidade da leitura sejam – se não abandonados – pelo menos mantidos na sua condição mínima. A disciplina escolar e o próprio docente devem padronizar determinados procedimentos que separem o certo do errado, para que os alunos possam ser ao menos avaliados de um modo comum.
Nada proíbe, nas escolas, que se faça uso dos textos para fruir e devanear. Mas, lembra mais uma vez Eco, “o devaneio não é coisa pública”. Ou seja, o devaneio é incompatível com a formalidade das atividades escolares, e os determinantes extraescolares solicitam que certas leituras artísticas ou ficcionais sejam contidas num formato disciplinar, em que se consagram as “formas corretas de ler”. Acrescente-se a isso o discurso intra e extraescolar que reafirma a necessidade da leitura ficcional e, contraditoriamente, resulta na parca sobrevivência de leitores de literatura de ficção após o término do período de formação. Todos esses discursos pedem releitura, decifração nova da matéria discursiva consagrada.

ESCOLA E LEITURA

A própria definição do que deve ou não ser consagrado como matéria escolar, no caso do ensino literário, é assunto que pede elucidação. A recorrência do cânon literário sujeita-se a uma variabilidade cujos determinantes não se encontram necessariamente limitados ao espaço escolar. Ao professor da área, fica a pergunta: são estas as obras que devem ser estudadas? Quem as consagrou? Não basta procurar no circuito acadêmico as respostas. Há outros fatores extraescolares e extra-acadêmicos que participam da elaboração desses cânones.
Ao focalizar nossa visão sobre os materiais impressos, didáticos ou não, acabamos por obter respostas parciais sobre a forma como este debate, travado no campo externo à es* Eliana Asche é doutora em Educação e professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Sua pesquisa aborda o ensino de Literatura nas escolas cola, incorporou-se no currículo de modo geral, na disciplina de Língua Portuguesa e Literatura Brasileira de maneira específica e, enfim, materializou-se na edição de livros escolares e nos livros de literatura especialmente produzidos para uma classe ou tipo de leitores.
A aquisição dos códigos de leitura dá-se especialmente no espaço escolar, quando do ingresso do aluno na primeira série do ensino formal. O que ocorre não é ainda leitura, mas apropriação de mecanismos de registro e decifração do código escrito. O livro e a palavra impressa, todavia, parecem ser sempre os condutores de todo o processo de escolarização.
À cartilha ou ao livro de primeiras letras, seguem-se as pequenas seletas, as narrativas de fôlego curto, o livro didático, os livros paradidáticos e as chamadas leituras literárias infantis, juvenis e adultas. Este rol de materiais impressos é dado a ler aos alunos pela instituição escolar (em um sentido que abrange o público e o privado).
O ato de ler, que envolve o código escrito e é amparado pelo suporte do livro ou do impresso escolar, percorre todos os níveis de formação escolar. Na escola, insiste-se sistematicamente na necessidade de criar hábitos de leitura para a aquisição de comportamentos de língua e pensamento.
A instituição escolar credita aos textos escritos e aos livros todas as possibilidades de transmissão do saber, pois o patrimônio cultural e científico estaria bem sedimentado na palavra devidamente impressa.
Em outras palavras: na sala de aula, o contato com o texto escrito ampararia toda a mediação entre o aluno e o saber. É dessa forma que o ato de ler é reconhecido como intermediário entre indivíduo, razão e apreensão do mundo. Não é bem assim. Representado pela codificação da escrita, o mundo circundante da criança e do jovem está ocultado, e sua decifração só se efetua no ato de decodificação do signo escrito, que lhes proporcionará acesso racional ao conhecimento.
Uma vez concebido, o livro como meio, possibilidade de acesso ao conhecimento, a relação entre escola e leitura reproduz-se nos entendimentos de escola como sinônimo de obtenção de saber absoluto e de palavra escrita e impressa como depositária do real. Que a verdade está contida no continente – a palavra, sacramentada pelo discurso da escola – é aforismo reconhecido pelo senso comum e reiterado pelo discurso científico de caráter positivista.
Muitas vezes, o professor que pretende incentivar leitores, só tem acesso aos livros que chegam às escolas como material gratuito de divulgação das editoras. Ele mesmo não pode se permitir a leitura gratuita, de gosto, de fruição: sua leitura já está condicionada pelos objetivos da série, pelo tratamento interdisciplinar que possibilita, etc.
As escolhas dos professores – que provavelmente nem seriam as dos alunos – ficam restritas a um conjunto de obras cujos temas, ilustrações, proporções físicas, estilo estão ditadas mais pelas pesquisas de mercado, do que pelas qualidades literárias propriamente ditas daqueles materiais. Mesmo quando se trata de um professor de Literatura, do ensino médio, os temas, as épocas, os vestibulares e os livros didáticos dizem mais sobre o que, quando e porque devemos ler, do que a velha cantilena de que o livro é essencial para a formação das crianças e jovens na escola.
O resultado dessa contenda resulta na repetição, como de um mantra de que a leitura na escola é essencial, que é preciso reforçar o hábito da leitura enquanto saem das escolas alunos que nem chegaram a ter a excepcional experiência de ler por prazer, por gosto e por vontade.
 Créditos: Eliana Asche é doutora em Educação e professora de Língua Portuguesa, Literatura e Redação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Sua pesquisa aborda o ensino de Literatura nas escolas

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