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quinta-feira, 21 de abril de 2011

Tiradentes não era barbudo

O JD cita o personagem histórico José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, para introduzir o debate sobre ideologia, citando-o como portador de uma ideologia revolucionária. Mas o tema ideologia se aplica melhor à própria construção do personagem, melhor diria, do mito Tiradentes.
O escritor gaúcho Sérgio Faraco enfrentou o tema e a ira do regime militar em seu Tiradentes, a alguma verdade (ainda que tardia), excelente ensaio lançado em 1980 pela Civilização Brasileira, hoje infelizmente fora de catalogo.
O autor começa por nos lembrar que a imagem de Tiradentes com longas barbas nos foi imposta por lei. A semelhança com a imagem consagrada de Jesus não é mera coincidência, havia a intenção deliberada dos ideólogos de nossa história em associar o martírio de um e outro, mesmo ao preço de impingir uma imagem do primeiro que não corresponde à realidade histórica.
Com efeito, Tiradentes era militar e, com tal, tinha de se apresentar sem barba e cabelos cortados rentes. No dia mesmo de seu enforcamento, teve seu cabelo e sua barba raspada, com registram os Autos da Inconfidência.
Mas a deliberada aproximação com Jesus não pára aí. Para servir de contraponto à sua propalada grandeza, Tiradentes também precisava ter seu mesquinho Judas Iscariotes e Joaquim Silvério dos Reis foi escalado para esse papel.
Mais uma agressão à história e à lógica dos fatos. Silvério era um militar (coronel) português, comandante das tropas baseadas em Vila Rica, somente um ingênuo poderia tê-lo convidado a aderir à Inconfidência e depois achar que sua adesão era sincera. No momento certo, Silvério fez o que qualquer pessoa de bom senso poderia esperar dele: prendeu os revoltosos.
Tiradentes foi erigido à condição de protomártir da Independência do Brasil. Título, no mínimo, estranho: no século 18, o Brasil não existia como unidade geográfica, quanto mais política. O movimento separatista incluía apenas parte do território hoje pertencente ao Estado de Minas Gerais e a cidade do Rio de Janeiro, esta pela conveniência de dar ao novo país uma saída para o mar.
Mais se poderia dizer da Inconfidência Mineira, inclusive quanto à desorganização total do movimento e a motivação pouco nobre da maioria dos inconfidentes, afogados em dívidas com a metrópole portuguesa. Mas na História do Brasil, há uma tendência irrefreável em se transformar os vultos históricos em semideuses, esquecendo-se que são homens de carne e osso, com seus grandes ideais, mas também com seus defeitos.
Felizmente, os fatos mais recentes, acontecidos sob os holofotes das mídias modernas não podem ser manipulados. O JD cita a revolta estudantil de 1968 no Rio de Janeiro. Edson Luiz, o estudante morto pela polícia no restaurante universitário, foi uma vítima aleatória, não tinha sequer um passado de militância política. Recém chegado ao Rio, vindo do Pará, era apenas um rapaz querendo se enturmar.
Mesmo assim, seu sacrifício se tornou um libelo contra a estúpida repressão do regime militar. Como o de Tiradentes o foi contra a monarquia absoluta e o colonialismo. Não havia necessidade de construírem para ele uma biografia apoteótica.
FONTE:http://jornaldedebates.uol.com.br/debate/para-que-serve-uma-ideologia/artigo/tiradentes-imagem-jesus/11227

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