Se existe um tema batido e rebatido no espaço escolar é o da necessidade de formar alunos-leitores. A leitura – dizem – é fator fundamental na formação dos indivíduos. Dizem, mas não provam. Associam na sempre a propostas e justificativas como “formar hábito”, “quem não lê, não escreve”, etc., e basta. O interessante neste caso é o que não foi dito…
Os professores leem? Os pais leem? O que leem estes grupos? A escola é incentivadora da leitura ou apenas reitera o consagrado discurso de que esta é um bem inalienável e, se não conseguirmos fazê-la penetrar no mundo da sala de aula, não haverá salvação para a escola.
O primeiro balanço deste barco: na escola, trabalha-se com uma espécie de conteúdo padrão, um corpus mais ou menos fixo que dificilmente acomoda o alto grau de mobilidade necessário ao trato com o material literário. A singularidade do fato estético é incompatível com a padronização, a sequência, a seleção e a organização de conteúdos requeridas pelo formato das disciplinas escolares. Como então fazer com que os sujeitos-leitores apreendam o fenômeno artístico nas realizações deste? Como entender a finalização artística na recepção desses leitores em situação escolar, se, em cada leitor e época, a leitura renasce de forma diversa?
Umberto Eco,
No caso do ensino literário, não se pode fugir do fato de que a escola solicita a criação de um leitor padrão. Por mais que o professor imagine trabalhar especificida des, observações originais e únicas, o formato das disciplinas escolares exige uma padronização mínima de leitura.
A escola solicita precisamente que os fatores de singularidade da leitura sejam – se não abandonados – pelo menos mantidos na sua condição mínima. A disciplina escolar e o próprio docente devem padronizar determinados procedimentos que separem o certo do errado, para que os alunos possam ser ao menos avaliados de um modo comum.
Nada proíbe, nas escolas, que se faça uso dos textos para fruir e devanear. Mas, lembra mais uma vez Eco, “o devaneio não é coisa pública”. Ou seja, o devaneio é incompatível com a formalidade das atividades escolares, e os determinantes extraescolares solicitam que certas leituras artísticas ou ficcionais sejam contidas num formato disciplinar, em que se consagram as “formas corretas de ler”. Acrescente-se a isso o discurso intra e extraescolar que reafirma a necessidade da leitura ficcional e, contraditoriamente, resulta na parca sobrevivência de leitores de literatura de ficção após o término do período de formação. Todos esses discursos pedem releitura, decifração nova da matéria discursiva consagrada.